Agência de Notícias AhlulBayt (ABNA): Por Wisam Zoghbour, desde Gaza
A vida de mais de dois milhões de palestinos dentro do território transformou-se em uma sequência interminável de sofrimento diário: um cerco sufocante que devora todas as condições mínimas de sobrevivência; destruição que atinge pedra e gente; e uma infraestrutura que mal consegue funcionar por mais um dia. Apesar disso, cresce, local e internacionalmente, o debate sobre milhares de famílias que deixam Gaza em busca de refúgio seguro ou de uma oportunidade de vida menos cruel.
O perigo aqui não está na migração em si, mas no seu acúmulo e transformação em um movimento coletivo que ameaça um vazio demográfico profundo, capaz de esvaziar Gaza de seus habitantes em dois anos, segundo diversas estimativas. Esses números não são mero recurso midiático, mas sinais vermelhos que piscam intensamente e revelam que aquilo que se temia já começou: um deslocamento sem guerra declarada, com pessoas sendo forçadas rumo ao desconhecido sob o peso de uma realidade desumana que as priva da capacidade de resistir.
O que os habitantes de Gaza enfrentam hoje não é uma escolha entre permanecer e partir, mas uma batalha de existência. Cada família que se vai é como uma pedra arrancada do muro da resistência nacional, e cada jovem que parte em busca de outro futuro se soma a uma hemorragia humana que enfraquece a capacidade da sociedade de se reerguer. É um erro enxergar essa migração como uma decisão individual; ela é fruto de uma longa cadeia de pressões: cerco, destruição, desemprego, ausência total de horizonte político e perda contínua da esperança.
Mais grave ainda é que esse deslocamento silencioso acontece enquanto a comunidade internacional permanece como espectadora ou, na melhor das hipóteses, limita-se a expressar ‘preocupação’. Essa complacência global oferece luz verde para a continuidade do esvaziamento de Gaza e transforma o sofrimento humano em uma ferramenta para alterar a realidade demográfica, em violação explícita de todas as leis e convenções internacionais.
A permanência de Gaza, com todo o seu peso nacional, político e geográfico, é a primeira linha de defesa da causa palestina. Abrir mão dessa presença humana, por intenção ou por omissão, é renunciar ao passado e ao futuro, além de abrir caminho para projetos perigosos que sempre buscaram minar o direito palestino à terra, ao retorno e à soberania.
Diante disso, a responsabilidade nacional exige enfrentar esse processo com toda a força:
▪️ apoiando a resistência dos habitantes e fornecendo condições básicas de vida,
▪️ elevando a voz em todos os fóruns internacionais para revelar a gravidade do que está ocorrendo e
▪️ pondo fim aos planos que tentam transformar Gaza em um território sem povo.
O povo palestino já pagou preços altíssimos para defender sua existência, e não é aceitável que o silêncio do mundo se torne cúmplice na imposição de uma migração forçada contínua, encoberta pelo manto da ‘crise humanitária’.
Gaza não é terra de expulsão nem espaço de vazio; é símbolo de firmeza e resistência.
E a responsabilidade, hoje, é proteger esse símbolo para que o deslocamento silencioso não o apague.
Edição de texto: Alexandre Rocha
Wisam Zoghbour é jornalista, Membro da Secretaria-Geral do Sindicato dos Jornalistas Palestinos e Diretor da Rádio Voz da Pátria
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